Pré Sal


Há mais de 100 milhões de anos, poderosas forças subjacentes romperam o supercontinente Gondwana, originado da fragmentação de Pangéia, propiciando a separação das placas sul-americana e africana em meio a intenso vulcanismo. No início, grandes lagos intracontinentais estabeleceram-se nas fendas e fissuras da crosta. Depois, o mar penetrou entre as placas, formando um golfo estreito e alongado, predecessor do oceano Atlântico.
Nos lagos, depositaram-se formidáveis geradores de petróleo, sedimentos finos riquíssimos em matéria orgânica, ao lado de rochas reservatório. Sobre estes, precipitou-se uma camada de sal, relacionada à fase de mar restrito, e, mais acima, os sedimentos oceânicos de mar aberto. Essa evolução da margem continental brasileira, melhor estudada desde o final dos anos 1960, com o início da exploração no mar, já era relativamente conhecida nas bacias terrestres costeiras.
A camada pré-sal refere-se a um conjunto de reservatórios mais antigos que a camada de sal, principalmente halita e anidrita. Esses reservatórios podem ser encontrados do Nordeste ao Sul do Brasil (onshore e offshore) e de uma forma similar no Golfo do México e na costa Oeste africana. A espessura da camada de sal na porção centro-sul da Bacia de Santos chega a 2.000 metros, enquanto na porção norte da bacia de Campo está em torno de 200 metros. Este sal foi depositado durante o processo de abertura do oceano Atlântico, após a quebra do Gondwana (Antigo Supercontinente formado pelas Américas e África, que foi seguido do afastamento da América do Sul e da África, iniciado a cerca de 120 milhões de anos). As camadas mais recentes de sal foram depositadas durante a última fase de mar raso e de clima semi-árido/árido(1 a 7 M.a.).
O petróleo do Recôncavo Baiano, descoberto nos anos 1940, foi gerado e acumulou-se, em boa parte, nos sedimentos de um desses lagos intracontinentais, portanto, pré-sal. Em Sergipe e em Alagoas, muitos campos terrestres produzem da camada pré-sal, como ocorre no campo de Carmópolis, desde os anos 1960. Na porção emersa da bacia do Espírito Santo, existem várias jazidas em que o petróleo é extraído do pré-sal há décadas.
Com a exploração no mar e a introdução de ferramentas exploratórias mais modernas, como a geoquímica orgânica, comprovou-se cabalmente que quase todo o petróleo de bacias marítimas, como Campos, Santos e Espírito Santo, foi gerado naqueles sedimentos lacustrinos abaixo da camada de sal. Parte desse petróleo se acumularia lá mesmo, parte se deslocaria para reservatórios mais rasos, por meio de descontinuidades na camada de sal e falhas funcionando como caminhos da migração.
Comprovado nos anos 1980 em Campos, esse modelo de geração-migração-acumulação foi aplicado, com sucesso, a outras bacias. Na própria bacia de Campos, desde os anos 1970, descobriram-se vários campos na camada pré-sal, como Badejo, Trilha e Enchova, situados em águas rasas e profundidade dos reservatórios a menos de 4.000 metros, já apresentam uma longa história de produção.
As primeiras tentativas de perfurar poços profundos para o pré-sal remontam aos anos 1980, ainda na bacia de Campos. Na ocasião, muitos foram os insucessos, dadas as limitações tecnológicas, e essas iniciativas acabaram sendo abortadas. Assim, a camada pré-sal constituía-se num objetivo tradicional, clássico e de reconhecido potencial havia muitas décadas, com inúmeros campos produtores em terra e no mar, quando ao alcance rotineiro dos poços.
O desafio estava, agora, na exploração do pré-sal nas vastas áreas em que ocorriam os conhecidos óbices tecnológicos: elevada profundidade, tanto da água quanto dos objetivos finais dos poços, grande espessura da camada de sal, alta pressão e temperatura.
Em 2004, repercutiu na imprensa a seguinte frase de nossa autoria: "Existe uma outra bacia de Campos abaixo do sal". Por achar que boa parte do petróleo de Campos migrara para os reservatórios pós-sal, a Petrobras acabou privilegiando as bacias de Santos e do Espírito Santo.
Especificamente quanto ao desafio do pré-sal, a estatal e seus parceiros internacionais acabaram se concentrando numa área da bacia de Santos, a 300 km da costa, mais de 2 km de lâmina d'água, cerca de 2 km de espessura de sal, mais de 6 km de profundidade total dos poços, genericamente denominado conglomerado, nas vizinhanças de Tupi.
Há cerca de três anos, tivemos a satisfação de assistir, na Petrobras, a uma magnífica apresentação sobre Tupi, tecnicamente irrepreensível. Paralelamente, a estatal realizara estudos específicos para superar os desafios tecnológicos na perfuração desses poços. O resto de mais essa história brasileira de sucesso já é de conhecimento público.
Não há confirmação ainda das reais dimensões dessas descobertas, aparentemente suficientes para propiciar um antes inimaginável salto de escala na produção brasileira de petróleo e gás natural, assegurar a sustentação da auto suficiência em petróleo e eliminar a dependência do gás importado.
Créditos a Petrobras e seus parceiros pelos fantásticos resultados operacionais e congratulações aos muitos que, ao longo do tempo, contribuíram para essa importante realização.
Aos leitores, perdão pelo abuso da linguagem em "geologuês": tentei evitar, mas...
 
Fonte: Folha de São Paulo - Giuseppe Bacoccoli

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