Transdisciplinaridade


Segundo Basarab Nicolescu (in Weill: 1993) o primeiro a usar o termo "transdisciplinaridade" foi Jean Piaget na década de 70, dando a seguinte definição " no estágio das relações interdisciplinares, podemos esperar o aparecimento de um estágio superior que seria transdisciplinar , que não se contentaria em atingir as interações e reciprocidades entre pesquisas especializadas, mas situaria essa ligações no interior de um sistema total sem fronteiras estáveis entre as disciplinas". Entendemos a transdisciplinaridade como o reconhecimento da interdependência de todos os fenômenos da realidade, conforme a síntese trazida por Enrich Janstch (1980) in Weill (1993). Uma questão que se coloca então, como mudança na prática pedagógica, reside no desafio de visualizar e compreender a complexidade de qualquer fenômeno, atuando a partir das disciplinas, além e através das mesmas.
Cabe resgatar aqui o Artigo 3 da Carta da Transdisciplinaridade, editada em 1994 por Basarab Nicolescu : " A transdiciplinaridade é complementar à abordagem disciplinar; ela faz emergir do confronto das disciplinas novos dados que as articulam entre si; e ela nos oferece uma nova visão da Natureza e da Realidade. A transdisciplinaridade não busca o domínio de várias disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atraessa e ultrapassa".
Esta perspectiva inaugura um novo jeito de ver o mundo, um novo jeito de pensar o ensinar e aprender. Morin (2001: 15) coloca que " Na escola primária nos ensinam a isolar os objetos (do seu meio ambiente), a separar as disciplinas (em vez de reconhecer suas correlações), a dissociar os problemas, em vez de reunir e integrar. Obrigam-nos a reduzir o complexo ao simples, isto é, a separar o que está ligado; a decompor , e não a recompor; a eliminar tudo o que causa desordens ou contradições em nosso entendimento". Nesse sentido, escolarização, por um caminho ou por outro, volta-se para a superespecialização das áreas do conhecimento, para a racionalização do que pensa o sujeito sobre o mundo via análise.
Introduzir a questão da transdisciplinaridade, significa voltar-se para a estruturação do pensar sistêmico, que caracteriza-se pela quebra de linearidade, valoriza a intuição e privilegia a síntese.
No Artigo 11 da referida carta, Nicolescu postula que: " A educação autêntica não pode privilegiar a abstração do conhecimento ela deve ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar. A educação transdisciplinar reavalia o papel da intuição, do imaginário, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos". Assim, outra questão que se coloca como mudança na prática pedagógica, reside no desafio de valorizar a linguagem simbólica, intuitiva e emocional no processo de construção do conhecimento , rompendo com a supremacia da toda poderosa razão.
Sabemos que a criança transita com certa liberdade nestas linguagens pouco valorizadas pela escola, ou seja, ela sabe o que gosta, o que não gosta, mas não necessariamente sabe as razões; ela explica fenômenos e expressa sua visão de mundo em desenhos, pinturas e falas, sem necessariamente ver a necessidade de argumentações coerentes; ela transita com grande flexibilidade entre o pensamento indutivo e dedutivo, sem se preocupar com análises e sínteses; em outras palavras, ela tem uma visão global de mundo, tentando integrar novos elementos de forma espontânea e emotiva. Sendo assim, cabe a escola alimentar e alicerçar o desenvolvimento de mais e mais imagens mentais, a fim de ajudar a criança a compreender os fenômenos em sua complexidade, sem necessidade de compartimentar saberes.
Os conhecimentos podem então ser introduzidos, não de forma clássica e formal, mas simbólica e experimental, preservando as linguagens que elas dominam. Conforme considera o educador italiano Magaluzzi (in Rabitti, 1999: 63), seria melhor falar na mente em termos de imaginação em vez de inteligência. A imaginação é extremamente importante, por que "leva a ter imagens múltiplas", o que significa que um objeto pode adquirir uma pluralidade de significados: "A imaginação absorve tudo, o cognitivo, o expressivo, o sentimento, a lembrança, as escolhas que nos pertencem...Temos que destruir a imagem simplificada de um objeto, temos que complicar o mundo.A imaginação é arte e ciência, pois multiplica os significados de um objeto, de um acontecimento, de uma palavra". O desenvolvimento da imaginação e da intuição passam, pois, a ter um papel fundamental na estruturação do pensar.
O desenvolvimento deste pensar globalizado, atento à complexidade da vida e da conseqüente aptidão para contextualizar, tende a produzir de acordo com Morin (2001) o pensamento ecologizante, no sentido em que situa todo acontecimento em relação de inseparabilidade com seu meio ambiente (cultural, social, econômico, político e natural).
Assim, a transdisciplinaridade recoloca também a questão ambiental, não de forma preservacionista apenas, mas no sentido de cada sujeito assumir, de forma responsável, o seu papel de co-participante na formação de um meio, seja ele familiar, escolar, natural, social, etc, tornando-se tanto ponto de partida como ponto de chegada.
Pensar numa sociedade mais justa e feliz, supõe estabelecer com a vida uma relação de alegria, gratidão e responsabilidade, o que nos impulsiona a um novo pensar, um pensar sistêmico, onde cada um de nós faz parte, mas apenas o conjunto faz sentido. Os valores associados a esta forma de pensar são cooperação, parceria e conservação.
Para saber mais
A ação pedagógica através da interdisciplinaridade aponta para a construção de uma escola participativa e decisiva na formação do sujeito social. O seu objetivo tornou-se a experimentação da vivência de uma realidade global, que se insere nas experiências cotidianas do aluno, do professor e do povo e que, na teoria positivista era compartimentada e fragmentada. Articular saber, conhecimento, vivência, escola comunidade, meio-ambiente etc. tornou-se, nos últimos anos, o objetivo da interdisciplinaridade que se traduz, na prática, por um trabalho coletivo e solidário na organização da escola. Um projeto interdisciplinar de educação deverá ser marcado por uma visão geral da educação, num sentido progressista e libertador. A interdisciplinaridade deve ser entendida como conceito correlato ao de autonomia intelectual e moral. Nesse sentido a interdisciplinaridade serve-se mais do construtivismo do que serve a ele. O construtivismo é uma teoria da aprendizagem que entende o conhecimento como fruto da interação entre o sujeito e o meio. Nessa teoria o papel do sujeito é primordial na construção do conhecimento. Portanto, o construtivismo tem tudo a ver com a interdisciplinaridade. A relação entre autonomia intelectual e interdisciplinaridade é imediata. Na teoria do conhecimento de Piaget o sujeito não é alguém que espera que o conhecimento seja transmitido a ele por um ato de benevolência. É o sujeito que aprende através de suas próprias ações sobre os objetos do mundo. É ele, enquanto sujeito autônomo, que constrói suas próprias categorias de pensamento ao mesmo tempo que organiza seu mundo, como costumava nos dizer, em Genebra, nosso mestre Piaget.

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